segunda-feira, agosto 28, 2006

Quem foi Gonçalo Mendes da Maia?







Gonçalo Mendes da Maia, foi um célebre barão português dos séc. XI e XII, descendente de um bastardo do rei Ramiro II de Leão, nasceu em 1079 no Norte de Portugal, próximo da cidade do Porto, na Vila de Trastamires*. Era filho de D. Gonçalo Trastamires Albozoar, e de D. Leodegunda Soares, a "Tainha", da casa dos Baiões. D. Gonçalo foi uma lenda viva de dedicação à pátria. Tornou-se bem cedo um dos maiores amigos do Rei de Portugal, D. Afonso Henriques. Juntos lutaram, para expulsar os invasores da terra amada. A vontade de D. Gonçalo e de suas inúmeras e épicas conquistas no campo de batalha, em que o risco à vida era eterno desafiante - acabaram grangeando-lhe o cognome de LIDADOR.


Os Mendes da Maia constituiam uma família radicada na região desde a 2º metade do século X, Aboazar Lovesendes é o seu antepassado remoto mais conhecido. Gonçalo Trastemires, seu neto, que conquistou Montemor aos Mouros em 1034, viria a ser morto em Avioso, em 1038. Seu filho, Mendo Gonçalves foi tido como “ Vir illustris et magne potentie in toto Portugal” e o filho deste, Soeiro Mendes “o Bom” foi citado como “prepotens et nobilissimus omnium portugalensium”.

Em todo o caso, os Mendes da Maia eram, por meados do primeiro quartel de século XII, os verdadeiros exponentes da aristocracia portucalense. E quando sentiram que na corte de Dona Teresa, tomavam prevalência os aristocratas galegos, trazidos pela mão dos Travas, os Mendes da Maia começaram a urdir o “golpe de Estado” que levaria aos campos de S. Mamede. A intervenção dos irmãos Mendes revelar-se-ia decisiva na conjuntura que alçaria à chefia do condado, o moço Infante Afonso.

Com efeito, é crível que, alguns anos após a morte do Conde Henrique, o filho dos condes portucalenses se manteve no convívio e na familiaridade dos Mendes da Maia. Desde 1118, Paio era arcebispo da Sé primacial bracarense e como tal, a primeira figura da igreja portucalense. Em 27 de Maio de 1128, o arcebispo e o infante lavram em Braga um importante documento , onde o Infante promete ao arcebispo direitos sobre várias vilas e lugares, diversas isenções e alguns importantes privilégios. Entretanto os acontecimentos precipitam-se e em 24 de Junho tiveram o seu momento decisivo. As forças leais a dona Teresa encontram-se com as forças do Infante e do Arcebispo nos campos de S. Mamede. As forças do Infante, comandadas por Gonçalo Mendes, saem vencedoras da contenda. Os Mendes da Maia, Paio e Gonçalo sobretudo assumiam assim o papel de construtores da pátria. Décadas depois, quando o primeiro Rei levava o seu esforço de conquista a outras terras e os portugueses se embrenhavam pelos confins da “província de Alcácer”, Gonçalo Mendes, verdadeiro adiantado de Afonso Henriques tratava nos campos de Beja o seu último combate contra o Rei mouro Almoliamar quando já tinha 95 anos de idade. Era a “morte do Lidador”.
E assim é mais do que evidente a estreita ligação entre a MAIA e o nascimento de Portugal.

*Vila de Trastamires ( Vila da Maia - povoação antiquíssima - era chamada pelos romanos de PALANTINA. Foi tomada aos mouros pelos portugueses no ano 1000, por D. Gonçalo Trastamires Albozoar, pai de D. Gonçalo Mendes da Maia)

(Morte Gloriosa de Gonçalo Mendes da Maia "O Lidador")





O Lidador ou a Lenda da Porta da Traição

Numa noite sem luar, cercava o exército de D. Afonso Henriques a fortaleza de Óbidos onde os mouros resistiam já há cerca de dois meses. D. Afonso Henriques e Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, tinham decidido que o ataque seria realizado na madrugada do dia seguinte antes de se retirarem para as suas tendas. Dormia já o Lidador quando foi acordado por uma voz de mulher que lhe pedia para ser conduzida à tenda do rei de Portugal, pois tinha algo de importante a comunicar-lhe. A jovem vivia no castelo dos mouros mas não sabia se era moura porque nunca tinha conhecido os seus pais. Temendo uma cilada dos mouros, foi com alguma relutância que o Lidador a conduziu à presença do rei, perante o qual a jovem revelou o sonho que se repetia há três noites. Neste sonho, aparecia-lhe um homem novo de barbas castanhas e olhar doce que a incumbiu de transmitir uma mensagem para o rei de Portugal: o rei deveria reunir os soldados e liderá-los num ataque surpresa na parte fronteiriça do castelo, enquanto que o Lidador se deveria dirigir com dez homens às traseiras onde a jovem donzela abriria uma porta para os deixar passar. O homem de olhar doce prometia Óbidos aos cristãos e a salvação à jovem donzela. Apesar da hesitação do Lidador, D. Afonso Henriques já não se atrevia a duvidar dos desígnios divinos após o Milagre de Ourique. Na manhã seguinte, Óbidos foi conquistada conforme o sonho da misteriosa jovem que nunca mais foi vista. A porta que franqueou a entrada dos cristãos ficou para sempre conhecida como a Porta da Traição.

domingo, agosto 27, 2006

A MORTE DO LIDADOR


De Alexandre Herculano

1
- Pajens! que arreiem o meu ginete murzelo; e vós dai-me o meu lorigão de malha de ferro e a minha boa toledana. Senhores cavaleiros, hoje contam-se noventa e cinco anos que recebi o baptismo, oitenta que visto armas, setenta que sou cavaleiro, e quero celebrar tal dia fazendo uma entrada por terras da frontaria dos Mouros.Isto dizia na sala de armas do castelo de Beja Gonçalo Mendes da Maia, a quem, pelas muitas batalhas que pelejara e por seu valor indomável, chamavam o Lidador. Afonso Henriques, depois do infeliz sucesso de Badajoz, e feitas pazes com el-rei de Leão, o nomeara fronteiro da cidade de Beja, de pouco tempo conquistada aos mouros. Os quatro Viegas, filhos do bom velho Egas Moniz, estavam com ele, e outros muitos cavaleiros afamados, entre os quais D. Ligel de Flandres e Mem Moniz, tio dos quatro Viegas.- A la fé - disse Mem Moniz, - que a festa de vossos anos, senhor Gonçalo Mendes, será mais de mancebo cavaleiro que de capitão encanecido e prudente. Deu-vos el-rei esta frontaria de Beja para bem a haverdes de guardar, e não sei eu se arriscado é sair hoje à campanha, que dizem os escutas, chegados ao romper da alva, que o famoso Almoleimar corre por estes arredores com dez vezes mais lanças do que todas as que estão encostadas nos lanceiros desta sala de armas.- Voto a Cristo - atalhou o Lidador, - que não cria eu que o senhor rei me houvesse posto nesta torre de Beja para estar assentado à lareira da chaminé, como velha dona, a espreitar de quando em quando por uma seteira se cavaleiros mouros vinham correr até a barbacã, para lhes cerrar as portas e ladrar-lhes do cimo da torre de menagem, como usam os vilãos. Quem achar que são duros de mais os arneses dos infiéis pode ficar-se aqui."Bem dito! bem dito!", exclamaram, dando grandes risadas, os cavaleiros mancebos.- Por minha boa espada! - gritou Mem Moniz, atirando o guante ferrado às lájeas do pavimento, - que mente pela gorja quem disser que eu ficarei aqui, havendo dentro de dez léguas em redor lide com mouros. Senhor Gonçalo Mendes, podeis montar em vosso ginete, e veremos qual das nossas lanças bate primeiro em adarga mourisca."A cavalo, a cavalo!", gritou outra vez a chusma, com grande alarida.Dali a pouco, ouvia-se o retumbar dos sapatos de ferro de muitos cavaleiros descendo os degraus de mármore da torre de Beja e, passados alguns instantes, soava só o tropear dos cavalos, atravessando a ponte levadiça das fortificações exteriores que davam para a banda da campanha por onde costumava aparecer a mourisma.

2
Era um dia do mês de Julho, duas horas depois da alvorada, e tudo estava em grande silêncio dentro da cerca de Beja: batia o sol nas pedras esbranquiçadas dos muros e torres que a defendiam: ao longe, pelas imensas campinas que avizinham o teso sobre que a povoação está assentada, viam-se ondear as searas maduras, cultivadas por mãos de agarenos para seus novos senhores cristãos. Regados por lágrimas de escravos tinham sido esses campos, quando em formoso dia de Inverno os sulcou o ferro do arado; por lágrimas de servos seriam outra vez humedecidos, quando, no mês de Julho, a paveia, cerceada pela foice, pendesse sobre a mão do ceifeiro: coro de amargura havia aí, como, cinco séculos antes, o houvera: então de cristãos conquistados, hoje de mouros vencidos. A Cruz hasteava-se outra vez sobre o crescente quebrado; os coruchéus das mesquitas convertiam-se em campanários de sés, e a voz do almuadem trocava-se por toada de sinos, que chamavam à oração entendida por Deus.Era esta a resposta dada pela raça goda aos filhos de África e do Oriente, que diziam, mostrando os alfanges: "É nossa a terra de Espanha." O dito árabe foi desmentido; mas a resposta gastou oito séculos a escrever-se. Pelaio entalhou com a espada a primeira palavra dela nos cerros das Astúrias; a última gravaram-na Fernando e Isabel, com os pelouros de suas bombardas, nos panos das muralhas da formosa Granada: e a esta escritura, estampada em alcantis de montanhas, em campos de batalha, nos portais e torres dos templos, nos lanços dos muros das cidades e castelos, acrescentou no fim a mão da Providência: "Assim para todo o sempre!"Nesta luta de vinte gerações andavam lidando as gentes do Alentejo. O servo mouro olhava todos os dias para o horizonte, onde se enxergavam as serranias do Algarve: de lá esperava ele salvação ou, ao menos, vingança; ao menos, um dia de combate e corpos de cristãos estirados na veiga para pasto dos açores bravios. A vista do sangue enxugava-lhes por algumas horas as lágrimas, embora os valentes de África houvessem de fugir vencidos; embora as aves de rapina tivessem, também, abundante ceva em cadáveres de seus irmãos! E este ameno dia de Julho devia ser um desses dias por que suspirava o servo ismaelita.Almoleimar descera com os seus cavaleiros às campinas de Beja. Pelas horas mortas da noite, viam-se as almenaras das suas atalaias nos píncaros das serras remotas, semelhantes às luzinhas que em descampados e tremedais acendem as bruxas em noites de seus folguedos: bem longe estavam as almenaras, mas bem perto sentiam os escutas o resfolegar e o tropear de cavalos, e o ranger de folhas secas, e o tinir a espaços de alfange batendo em ferro de caneleira ou de coxote. Ao romper da alva, os cavaleiros do Lidador saíam mais de dois tiros de besta além das velhas muralhas de Beja; tudo porém estava em silêncio, e só, aqui e ali, as searas calcadas davam rebate de que por aqueles sítios tinham vagueado almogaures mouros, como o leão do deserto rodeia, pelo quarto de modorra, as habitações dos pastores além das encostas do Atlas.No dia em que Gonçalo Mendes da Maia, o velho fronteiro de Beja, cumpria os noventa e cinco anos, ninguém saíra, pelo arrebol da manhã, a correr o campo; e, todavia, nunca tão de perto chegara Almoleimar; porque uma frecha fora pregada à mão em um grosso sovereiro que sombreava uma fonte, a pouco mais de tiro de funda dos muros do castelo. Era que nesse dia deviam ir mais longe os cavaleiros cristãos: o Lidador pedira aos pajens o seu lorigão de malha de ferro e a sua boa toledana.

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Trinta fidalgos, flor da cavalaria, corriam à rédea solta pelas campinas de Beja; trinta, não mais, eram eles; mas orçavam por trezentos os homens de armas, escudeiros e pajens que os acompanhavam. Entre todos avultavam em robustez e grandeza de membros o Lidador, cujas barbas brancas lhe ondeavam, como flocos de neve, sobre o peitoral da cota de armas, e o terrível Lourenço Viegas, a quem, pelos espantosos golpes da sua espada, chamavam o Espadeiro. Eram formoso espectáculo o esvoaçar dos balções e signas, fora de suas fundas e soltos ao vento, o cintilar das cervilheiras, as cores variegadas das cotas, e as ondas de pó que se alevantavam debaixo dos pés dos ginetes, como se alevanta o bulcão de Deus, varrendo a face da campina ressequida, em tarde ardente de Verão.Ao largo, muito ao largo, dos muros de Beja, vai a atrevida cavalgada em demanda dos mouros; e no horizonte não se vêem senão os topos pardo-azulados das serras do Algarve, que parece fugirem tanto quanto os cavaleiros caminham. Nem um pendão mourisco, nem um albornoz branco alvejam ao longe sobre um cavalo murzelo. Os corredores cristãos volteiam na frente da linha dos cavaleiros, correm, cruzam para um e outro lado, embrenham-se nos matos e transpõem-nos em breve; entram pelos canaviais dos ribeiros; aparecem, somem-se, tornam a sair ao claro: mas, no meio de tal lidar, apenas se ouvem o trote compassado dos ginetes e o grito monótono da cigarra, pousada nos raminhos da giesteira.A terra que pisam é já de mouros; é já além da frontaria. Se olhos de cavaleiros portugueses soubessem olhar para trás, indo em som de guerra, os que para trás de si os volvessem a custo enxergariam Beja. Bastos pinhais começavam já a cobrir mais crespo território, cujos outeirinhos, aqui e ali, se alteavam suaves, como seio de virgem em viço de mocidade. Pelas faces tostadas dos cavaleiros cobertos de pó corria o suor em bagas, e os ginetes alagavam de escuma as redes de ferro acaireladas de ouro que os defendiam. A um sinal do Lidador, a cavalgada parou; era necessário repousar, que o Sol ia no zénite e abrasava a terra: descavalgaram todos à sombra de um azinhal e, sem desenfrear os cavalos, deixaram-nos pascer alguma relva que crescia nas bordas de um arroio vizinho.Tinha passado meia hora: por mandado do velho fronteiro de Beja um almogávar montou a cavalo e aproximou-se à rédea solta de uma selva extensa que corria à mão direita: pouco, porém, correu; uma frecha despedida dos bosques sibilou no ar: o almogávar gritou por Jesus: a frecha tinha-se-lhe embebido no lado; o cavalo parou de repente, e ele, erguendo os braços ao ar, com as mãos abertas, caiu de bruços, tombando para o chão, e o ginete partiu desenfreado através das veigas e desapareceu na selva. O almogávar dormia o último sono dos valentes em terra de inimigos, e os cavaleiros da frontaria de Beja viram o seu trance do repousar eterno."A cavalo! a cavalo!" - bradou a uma voz toda a lustrosa companhia do Lidador; e o tinido dos guantes ferrados, batendo na cobertura de malha dos ginetes, soou uníssono, quando todos os cavaleiros cavalgaram de um pulo; e os ginetes rincharam de prazer, como aspirando os combates.Grita medonha troou ao mesmo tempo, além do pinhal da direita. "Allah! Almoleimar!" - era o que dizia a grita.Enfileirados em extensa linha, os cavaleiros árabes saíram à rédea solta detrás da escura selva que os encobria: o seu número excedia cinco vezes o dos soldados da Cruz; as suas armaduras lisas e polidas contrastavam com a rudeza das dos cristãos, apenas defendidos por pesadas cervilheiras de ferro e por grossas cotas de malha do mesmo metal; mas as lanças destes eram mais robustas, e as suas espadas mais volumosas do que as cimitarras mouriscas. A rudeza e a força da raça gótico-romana iam, ainda mais uma vez, provar-se com a destreza e com a perícia árabes.

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Como longa fita de muitas cores, recamada de fios de ouro e reflectindo mil acidentes de luz, a extensa e profunda linha dos cavaleiros mouros sobressaía na veiga entre as searas pálidas que cobriam o campo. Defronte deles, os trinta cavaleiros portugueses, com trezentos homens de armas, pajens e escudeiros, cobertos dos seus escuros envoltórios, e lanças em riste, esperavam o brado de acometer. Quem visse aquele punhado de cristãos, diante da cópia de infiéis que os esperavam, diria que, não com brios de cavaleiros, mas com fervor de mártires, se ofereciam a desesperado trance. Porém, não pensava assim Almoleimar, nem os seus soldados, que bem conheciam a têmpera das espadas e lanças portuguesas e a rijeza dos braços que as meneavam. De um contra dez devia ser o iminente combate; mas, se havia aí algum coração que batesse descompassado, algumas faces descoradas, não era entre os companheiros do Lidador que tal coração batia ou que tais faces descoravam.Pouco a pouco, a planura que separava as duas hostes tinha-se embebido debaixo dos pés dos cavalos, como no tórculo se embebe a folha de papel saindo para o outro lado convertida em estampa primorosa. As lanças iam feitas: o Lidador bradara Sant'Iago, e o nome de Allah soara em um só grito por toda a fileira mourisca.Encontraram-se! Duas muralhas fronteiras, balouçadas por violento terramoto, desabando, não fariam mais ruído, ao bater em pedaços uma contra a outra, que este encontro de infiéis e cristãos. As lanças, topando em cheio nos escudos, tiravam deles um som profundo, que se misturava com o estalar das que voavam despedaçadas. Do primeiro encontro muitos cavaleiros vieram ao chão: um mouro robusto foi derribado por Mem Moniz, que lhe falsou as armas e traspassou o peito com o ferro de sua grossa lança. Deixando-a depois cair, o velho desembainhou a espada e gritou ao Lidador, que perto dele estava:- Senhor Gonçalo Mendes, ali tendes, no peito daquele perro, aberta a seteira por onde eu, velha dona assentada à lareira, costumo vigiar a chegada de inimigos, para lhes ladrar, como alcateia de vilãos, do cimo da torre de menagem.O Lidador não lhe pôde responder. Quando Mem Moniz referia as últimas palavras, ele topara em cheio com o terrível Almoleimar. As lanças dos dois contendores haviam-se feito pedaços, e o alfange do mouro cruzou-se com a boa toledana do fronteiro de Beja.Como duas torres de sete séculos, cujo cimento o tempo petrificou, os dois capitães inimigos estavam um defronte do outro, firmes em seus possantes cavalos: as faces pálidas e enrugados do Lidador tinham ganhado a imobilidade que dá, nos grandes perigos, o hábito de os afrontar; mas no rosto de Almoleimar divisavam-se todos os sinais de um valor colérico e impetuoso. Cerrando os dentes com força, descarregou um golpe tremendo sobre o seu adversário: o Lidador recebeu-o no escudo, onde o alfange se embebeu inteiro, e procurou ferir Almoleimar entre o fraldão e a couraça; mas a pancada falhou, e a espada desceu, faiscando, pelo coxote do mouro, que já desencravara o alfange.Tal foi a primeira saudação dos dois cavaleiros inimigos."Brando é o teu escudo, velho infiel; mais bem temperado é o metal do meu arnês. Veremos agora se na tua touca de ferro se embotam os fios deste alfange."Isto disse Almoleimar, dando uma risada, e a cimitarra bateu em cima da cervilheira do Lidador, com a mesma violência com que bate no fundo do vale penedo desconforme desprendido do píncaro da montanha.O fronteiro vacilou, deu um gemido, e os braços ficaram-lhe pendentes: a espada ter-lhe-ia caído no chão, se não estivesse presa ao punho do cavaleiro por uma cadeia de ferro. O ginete, sentindo as rédeas frouxas, fugiu um bom pedaço pela campanha, a todo o galope.Mas o Lidador tornou a si: uma forte sofreada avisou o ginete de que o seu senhor não morrera. À rédea solta, lá volta o fronteiro de Beja: escorre-lhe o sangue, envolto em escuma, pelos cantos da boca; traz os olhos torvos de ira: ai de Almoleimar!Semelhante ao vento de Deus, Gonçalo Mendes da Maia passou por entre os cristãos e mouros: os dois contendores viram-se, e, como o leão e o tigre, correram um para o outro. As espadas reluziram no ar; mas o golpe do Lidador era simulado, e o ferro, mudando de movimento no ar, foi bater de ponta no gorjal de Almoleimar, que cedeu à violenta estocada; e o sangue, saindo às golfadas, cortou a última maldição do agareno.Mas a espada deste também não errara o golpe: vibrada com ânsia, colhera pelo ombro esquerdo o velho fronteiro e, rompendo a grossa malha do lorigão, penetrara na carne até o osso. Ainda mais uma vez a mesma terra bebeu nobre sangue godo misturado com sangue árabe."Perro maldito! Sabe lá no inferno que a espada de Gonçalo Mendes é mais rija que a sua cervilheira."E, dizendo isto, o Lidador caiu amortecido: um dos seus homens de armas voou a socorrê-lo; mas o último golpe de Almoleimar fora o brado da sepultura para o fronteiro de Beja: os ossos do ombro do bom velho estavam como triturados, e as carnes rasgadas pendiam-lhe para um e outro lado envoltas nas malhas descosidas do lorigão.

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Entretanto os Mouros iam de vencida: Mem Moniz, D. Ligel, Godinho Fafes, Gomes Mendes Gedeão e os outros cavaleiros daquela lustrosa companhia tinham praticado maravilhosas façanhas. Mas, entre todos, tornava-se notável o Espadeiro. Com um pesado montante nas mãos, coberto de pó, suor e sangue, pelejava a pé; que o seu agigantado ginete caíra morto de muitos tiros de frechas e lançadas. De roda dele não se viam senão cadáveres e membros destroncados, por cima dos quais trepavam, para logo recuarem ou baquearem no chão, os mais ousados cavaleiros árabes. Como um promontório de escarpados alcantis, Lourenço Viegas estava imóvel e sobranceiro no meio do embate daquelas vagas de pelejadores, que vinham desfazer-se contra o terrível montante do filho de Egas Moniz.Quando o fronteiro caiu, o grosso dos mouros fugia já para além do pinhal; mas os mais valentes pelejavam ainda à roda do seu capitão moribundo. O Lidador, esse tinha sido posto em cima de umas andas, feitas de troncos e franças de árvores, e quatro escudeiros, que restavam vivos dos dez que consigo trouxera, o haviam transportado para a saga da cavalgada. O tinir dos golpes era já muito frouxo e sumia-se no som dos gemidos, pragas e lamentos que soltavam os feridos derramados pela veiga ensanguentada. Se os Mouros, porém, levavam, fugindo, vergonha e dano, a vitória não saíra barata aos portugueses. Viam perigosamente ferido o seu velho capitão, e tinham perdido alguns cavaleiros de conta e a maior parte dos homens de armas, escudeiros e pajens.Foi neste ponto que, ao longe, se viu erguer uma nuvem de pó, que voava rápida para o lugar da peleja. Mais perto, aquele turbilhão rareou, vomitando do seio um basto esquadrão de árabes. Os mouros que fugiam deram volta e gritaram:"Ali-Abu-Hassan! Só Deus é Deus, e Mohammed o seu profeta!"Era, com efeito, Ali-Abu-Hassan, rei de Tânger, que estava com seu exército sobre Mértola e que viera com mil cavaleiros em socorro de Almoleimar.

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Cansados do largo combater, reduzidos a menos de metade em número e cobertos de feridas, os cavaleiros de Cristo invocaram o seu nome e fizeram o sinal-da-cruz. O Lidador perguntou com voz fraca a um pajem que estava ao pé das andas que nova revolta era aquela.- Os Mouros foram socorridos por um grosso esquadrão - respondeu tristemente o pajem. - A Virgem Maria nos acuda, que os senhores cavaleiros parece recuarem já.O Lidador cerrou os dentes com força e levou a mão à cinta. Buscava a sua boa toledana.- Pajem, quero um cavalo. Onde está a minha espada?- Aqui a tenho, senhor. Mas estais tão quebrado de forças!...- Silêncio! A espada, e um bom ginete.O pajem deu-lhe a espada e foi pelo campo buscar um ginete, dos muitos que andavam já sem dono. Quando voltou com ele, o Lidador, pálido e coberto de sangue, estava em pé e dizia, falando consigo:"Por Sant'Iago, que não morrerei como vilão de beetria onde entrou cavalgada de mouros!"E o pajem ajudou-o a montar a cavalo.Ei-lo vai o velho fronteiro de Beja! Semelhava um espectro erguido de pouco em campo de finados: debaixo dos muitos panos que lhe envolviam o braço e o ombro esquerdo levava a própria morte; nos fios da espada, que a mão direita mal sustinha, levava, porventura, ainda a morte de muitos outros!

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Para onde mais travada e acesa andava a peleja se encaminhou o Lidador. Os cristãos afrouxavam diante daquela multidão de infiéis, entre os quais mal se enxergavam as cruzes vermelhas pintadas nas cimeiras dos portugueses. Dois cavaleiros, porém, com vulto feroz, os olhos turvados de cólera, e as armaduras crivadas de golpes, sustinham todo o peso da batalha. Eram estes o Espadeiro e Mem Moniz. Quando o fronteiro assim os viu oferecidos a certa morte, algumas lágrimas lhe caíram pelas faces, e, esporeando o ginete, com a espada erguida, abriu caminho por entre infiéis e cristãos e chegou aonde os dois, cada um com seu montante nas mãos, faziam larga praça no meio dos inimigos.- Bem-vindo, Gonçalo Mendes! - disse Mem Moniz. - Quiseste assistir connosco a esta festa de morte? Vergonha era, de feito, que estivesses fazendo teu passamento, com todo o repouso, deitado lá na saga, enquanto eu, velha dona, espreito os mouros com meu sobrinho junto desta lareira...- Implacáveis sois vós outros, cavaleiros de Ribadouro - respondeu o Lidador em voz sumida, - que não perdoais uma palavra sem malícia. Lembra-te Mem Moniz de que bem depressa estaremos todos diante do justo juiz.- Velhos sois; bem o mostrais! - acudiu o Espadeiro. - Não cureis de vãs porfias, mas de morrer como valentes. Dêmos nestes perros, que não ousam chegar-se a nós. Avante, e Sant'Iago!"Avante, e Sant'Iago!", responderam Gonçalo Mendes e Mem Moniz: e os três cavaleiros deram rijamente nos Mouros.

8
Quem hoje ouvir recontar os bravos golpes que no mês de Julho de 1170 se deram na veiga da frontaria de Beja, notá-los-á de fábulas sonhadas; porque nós, homens corruptos e enfraquecidos por ócios e prazeres de vida afeminada, medimos por nosso ânimo e forças as forças e o ânimo dos bons cavaleiros portugueses do século XII; e todavia, esses golpes ainda soam, através das eras, nas tradições e crónicas, tanto cristãs como agarenas.Depois de deixar assinadas muitas armaduras mouriscas, o Lidador vibrara pela última vez a espada e abrira o elmo e o crânio de um cavaleiro árabe. O violento abalo que experimentou fez-lhe rebentar em torrentes o sangue da ferida que recebera das mãos de Almoleimar e, cerrando os olhos, caiu morto ao pé do Espadeiro, de Mem Moniz e de Afonso Hermigues de Baião, que com eles se ajuntara. Repousou, finalmente, Gonçalo Mendes da Maia de oitenta anos de combates!Já a este tempo cristãos e mouros se haviam descido dos cavalos e pelejavam a pé. Traziam-se assim à vontade, e recrescia a crueza da batalha. Entre os cavaleiros de Beja espalhou-se logo a nova da morte do seu capitão, e não houve ali olhos que ficassem enxutos. O despeito do próprio Mem Moniz deu lugar à dor, e o velho de Ribadouro exclamou entre soluços:- Gonçalo Mendes, és morto! Nós todos quantos aqui somos, não tardará que te sigamos; mas ao menos, nem tu, nem nós ficaremos sem vingança!- Vingança! - bradou o Espadeiro, com voz rouca, e rangendo os dentes. Deu alguns passos, e viu-se o seu montante reluzir, como uma centelha em céu proceloso.Era Ali-Abu-Hassan: Lourenço Viegas o conhecera pelo timbre real do morrião.

9
Se já vivestes vida de combates em cidade sitiada, tereis visto muitas vezes um vulto negro, que em linha diagonal corta os ares, sussurrando e gemendo. Rápido, como um pensamento criminoso em alma honesta, ele chegou das nuvens à terra, antes que vos lembrásseis do seu nome. Se encontrou na passagem ângulo de torre secular, o mármore converte-se em pó; se atravessou, pelas ramas de árvore basta e frondosa, a folha mais virente e frágil, o raminho mais tenro é dividido, como se, com cutelo subtilíssimo, mão de homem lhe houvera cerceado atentamente uma parte; e, todavia, não é um ferro açacalado: é um globo de ferro; é a bomba, que passa, como a maldição de Deus. Depois, debaixo dela, o chão achata-se, e a terra espadana aos ares; e, como agitada, despedaçada por cem mil demónios, aquela máquina do inferno estoira, e de roda dela há um zumbir sinistro: são mil fragmentos; são mil mortes que se derramam ao longe. Então faz-se um grande silêncio, e após o silêncio vêem-se corpos destroncados, poças de sangue, arcabuzes quebrados, e ouvem-se o gemer dos feridos e o estertor dos moribundos.Tal desceu o montante do Espadeiro, boto já dos milhares de golpes que o cavaleiro tinha descarregado. O elmo de Ali-Abu-Hassan faiscou voando em pedaços pelos ares, e o ferro cristão, esmigalhando o crânio do infiel, abriu-o até os dentes. Ali-Abu-Hassan caiu."Lidador! Lidador!", disse Lourenço Viegas, com voz comprimida. As lágrimas misturavam-se-lhe nas faces com o suor, com o pó e com o sangue do agareno, de que ficou coberto. Não pôde dizer mais nada.Tão espantoso golpe aterrou os mouros. Os portugueses seriam já apenas sessenta, entre cavaleiros e homens de armas: mas pelejavam como desesperados e resolvidos a morrer. Mais de mil inimigos juncavam o campo, de envolta com os cristãos. A morte de Ali-Abu-Hassan foi o sinal da fugida.Os portugueses, senhores do campo, celebravam com prantos a vitória. Poucos havia que não estivessem feridos; nenhum que não tivesse as armas falsadas e rotas. O Lidador e os demais cavaleiros de grande conta que naquela jornada tinham acabado, atravessados em cima dos ginetes, foram conduzidos a Beja.Após aquele tristíssimo préstito, iam os cavaleiros a passo lento, e um sacerdote templário, que fora na cavalgada, com a espada cheia de sangue metida na bainha salmeava em voz baixa aquelas palavras do Livro da Sabedoria:"Justorum autem animae in manu Dei sunt, et non tanget illos tormentum mortis."

quarta-feira, agosto 23, 2006

PERSPECTIVA HISTÓRICA



O Noroeste Ibérico na Época Medieval

409 - 585: Os Suevos no noroeste da Ibéria

Na região entre o Havel e o Spree (actualmente a região de Berlim) existia uma confederação de tribos denominadas Suevos. Estes povos adoravam uma divindade comum, o deus Ziu. Deslocando-se lentamente para regiões mais meridionais, ocuparam sucessivamente a Saxónia, a Turíngia e a Baviera. No século I AC houve uma cisão da confederação, formando os seguintes grupos:

Hermúnduros
Marcomanos
Quados
Vangiones
Neméteros
Tribocos

Os Quados, instalados na Boémia e Morávia actuais, moveram-se para sul invadindo a Península Ibérica, juntamente com alguns Marcomanos. Nestas vagas invasoras, foram acompanhados pelos Vândalos Silingos, pelos Vândalos Asdingos e pelos Alanos. Após desvastações causadas durante cerca de dez anos aceitaram a proposta romana de um pacto de federação, ficando a península repartida entre eles.

Os Silingos ficaram na Bética. os Alanos na Lusitânia e na Cartaginense Ocidental, os Suevos e os Asdingos na Galécia, a Tarraconense conservou-se nas mãos do Império Romano.
As estimativas mais optimistas quanto ao número dos invasores suevos apontam para 30.000 pessoas. Estes implantaram-se preferencialmente nas zonas de Braga, Porto, Lugo e Astorga. Na região do Porto, segundo Idício, cronista cristão do séc. V, estabeleceram-se em duas povoações; Portucale Castrum (Gaia) e Portucale Locum (Porto).

Em 438 o rei Suevo Hernenarico ratifica a paz com os povos Galaicos e, cansado por uma vida de lutas, ele que já comandava os Suevos quando estes entraram na península Ibérica, abdicou em favor de seu filho Réquita.
Em 448 Réquita morre deixando um estado em expansão a seu filho Requiário que, sendo católico, vai impor este credo à população sueva. A população urbana da Galécia era já predominantemente católica. A cidade de Braga como capital do reino Suevo e sede episcopal ganha grande importância, a qual ainda hoje é visível no caracter metropolita da sua Sé, primaz entre as dioceses do Noroeste peninsular.
em 456 Requiário é morto e vários pretendentes aparecem, agrupados em duas facções. Nota-se uma divisão marcada pelo rio Minho, provavelmente um reflexo das duas tribos, Quados e Marcomanos, que constituiam a nação sueva na península.
Em 585 os Visigodos destroçam os seus adversários Suevos, capturando o rei Andeca. A Galécia passa a ser uma província Visigoda, mas provavelmante com um certo grau de autonomia.

740 - 1037: Das Astúrias à Galiza e Portucale

Dá-se a invasão muçulmana. O soberano visigodo Roderico, que tinha subido ao trono em 710, foi derrotado na batalha de Guadalete ocorrida a 19 de Julho de 711. As crónicas muçulmanas dão Roderico como morto em combate, mas a tradição cristã é a de que se foi refugiar nas serras da Lusitânia, mais precisamente na região de Viseu.
Toledo, sede da administração real e religiosa visigoda, rendeu-se em Novembro de 711 após um simulacro de resistência. Os seus notáveis fogem precipitadamente para norte. No ano de 714 é operada a conquista da Lusitânia Central e Setentrional, seguida pela tomada de Viseu, Portucale, Bracara, Tui e Lugo.
Para norte dos Pirinéus as invasões muçulmanas são travadas por Carlos Martel, rei dos Francos, na batalha de Poitiers (732).

A Reconquista, a partir das Astúrias, começa por ser um movimento regional não exclusivamente godo. Pelaio, filho de Favila rei dos Godos, tinha governado a Galécia no reinado de Égica, recebendo assim preparação para a vida militar. Não tendo sido tentado a depor as armas perante as hordas muçulmanas torna-se no chefe da resistência. Em 722 trava o encontro de Covadonga que foi um sinal decisivo na determinação de combater os invasores, apesar do insucesso em que resultou para as forças cristãs.
Fixado em Cangas de Oñis, Pelaio lança os fundamentos de um pequeno estado. Seu genro, Afonso I «O Católico», duque da Cantábria, que reina de 739 a 757, alarga as fronteiras da reconquista até ao rio Douro logo no 2º ano do seu reinado. As terras da Galiza e do futuro Condado Portucalense ficam-lhe sujeitas. A acção desenvolvida por Afonso I contribuiu de forma notável para que não se verifica-se a fixação do invasor muçulmano na velha Galécia, libertando-a da islamização.
Os sucessores de Afonso I limitaram-se a manter a defensiva através da resistência e do ermamento das zonas de fronteira. Sob a invocação de Sant'Iago, Ramiro I (842-850) reinicia a reconquista. Afonso III (866-909) fomenta a ocupação e reconstrução dos territórios. É então atribuído ao conde Vímara Peres a administração de Portucale. Nesta altura é conquistada a zona de Emínio, à qual é aplicado o antigo costume do ermamento.
Em 909 Afonso III é obrigado, pelos seus filhos, a abdicar, dividindo entre estes o reino.
Garcia fica com LeãoOrdonho com a Galiza e a terra PortucalenseFruela com o senhorio das AstúriasAparece assim pela 1ª vez o título de rei de Leáo. Alguns anos mais tarde Ordonho consegue reagrupar as terras partilhadas e passa a reinar como Ordonho II, usando a designação de Rei de Leão.

Após a morte de Ramiro II (951), filho de Ordonho II, ascende a um lugar destacado na terra Portucalense a condessa Mumadona Dias, já viúva. Esta apoia Ordonho IV «O Mau» contra Sancho I «O Gordo». Surgem aqui dois grupos. Um deles com Guimarães como origem e o outro, afecto a Sancho I, congrega os barões galegos de Límia. Esta é a primeira contenda entre os barões portucalenses e os barões galegos, cujo dirimir só se viria a verificar na batalha de São Mamede (1128). Esta Mumadona Dias foi a mulher mais rica do seu tempo, acumulou riqueza e soube repartir os seus bens.
Após a morte de Sancho I, sucedeu-lhe o filho Ramiro III, ainda menor. Este contou com a oposição do primo, Bermudo Ordonhes, filho de Ordonho III. Com a morte de Ramiro III, em 984, este ascende ao trono com o nome de Bermudo II. Morre em 999 deixando o reino ao filho menor, Afonso V, sob a tutela do conde Mendo Gonçalves, neto da condessa Mumadona Dias.
A Afonso V sucede-lhe o filho Bermudo III, sob tutela de Navarra.
Morrendo o conde de Castela, Garcia Sanches, a herança cai sobre D. Maior Sanches, casada com Sancho III de Navarra. Designa-se então como herdeiro do condado de Castela o infante D. Fernando, que casou com Sancha, irmã de Bermudo III de Leão. Em 1037 morria Bermudo III na batalha de Tamarón, deixando o reino a sua irmã Sancha. Terminava assim a dinastia dos reis asturianos. Cabia a herança do trono a um rei navarro, que abriu Leão e Castela à cultura do norte da Europa.

1037 - 1112: Os Franceses e o Conde D. Henrique de Borgonha

Após a morte de Fernando «O Magno», em 1065, os seus estados foram divididos pelos seus três filhos.
Sancho ficou a reinar em Castela, Afonso ficou a reinar em Leão, Garcia ficou a reinar na Galiza, juntamente com a terra Portucalense.
O Conde Portucalense Nuno Mendes encabeça em 1071 uma revolta contra o rei Garcia. Tentava-se assim, a independência da terra Portucalense. O rei Garcia determinado a dominar a revolta encontra-se com as hostes do conde em Pedroso, localidade situada a norte de Braga, entre a cidade e o rio Cávado. O conde Nuno Mendes é derrotado, tornando-se no último conde da nobreza regional a governar Portucale.
Os reinos de Leão e Castela são mais uma vez unidos, sob a coroa de Afonso VI, o qual prendendo o seu irmão Garcia, obtem também o controlo da Galiza. A vitória dos almorávidas sobre Afonso VI, na batalha de Zalaca, marca uma importante mudança da relação de forças na península. Esta derrota não atingiu apenas o ânimo dos cristãos peninsulares, mas também os meios nobres e eclésiasticos de além Pirinéus. Afonso VI era casado com D. Constança de Borgonha, filha do duque Roberto I. Este ducado e outros da França do sul apressaram-se a enviar reforços militares.
De Borgonha vem em 1092 D. Raimundo, filho segundo de Guilherme I «O Grande», conde de Borgonha. A ele é atribuído o governo de toda a Galiza, cujo poder se encontrava vago pela morte recente do rei Garcia. Casou com a filha legítima de Afonso VI, D. Urraca. Mais tarde, e talvez atraído pelo sucesso do seu primo, vem para a península D. Henrique de Borgonha, da família ducal. Afonso VI casa-o com a sua filha ilegítima D. Teresa e atribui-lhe o governo do condado Portucalense, incluíndo a zona de Emínio (Coimbra). Após a morte de D. Henrique, em 1112, fica D. Teresa a governar o condado, pois achava que este lhe pertencia por direito, mais do que a outrém, já que lhe tinha sido dado por seu pai na altura do casamento. Associou ao governo o conde galego Bermudo Peres de Trava e o seu irmão Fernão Peres de Trava.
Terá até talvez casado em segundas núpcias com Bermudo, do qual terá tido uma filha.
A crescente influência dos condes galegos no governo do condado Portucalense levou à revolta verificada em 1128, portagonizada pela grande maioria dos infanções do Entre Douro e Minho. Estes escolheram para seu caudilho, D. Afonso Henriques, filho de D. Henrique e de D. Teresa.

1128: Os Nobres da Fundação e a Batalha de São Mamede

Lista dos pricipais fidalgos que participaram na batalha de São Mamede ao lado de D. Afonso Henriques na qual destaco a figura de " O Lidador" *

Soeiro Mendes de Sousa «O Grosso» (1121-1137)
Gonçalo Mendes de Sousa «Sousão» (1154-1167)
Egas Moniz de Ribadouro «O Aio» (1108-1146)
Ermígio Moniz de Ribadouro (1128-1135)
Gonçalo Mendes da Maia «O Lidador» *
D. Paio Soares da Maia «Arcebispo de Braga»
Sancho Nunes de Barbosa (1114-1169)
Afonso Nunes de Barbosa (1131)
Fernão Captivo «Alféres-Mor»
Egas Moniz de Cresconhe
Paio Mendes
Paio Ramires Ramirão
Nuno Soares Velho (1117-1162)
Godinho Fafes de Lanhoso
Garcia Soares

Na batalha de São Mamede defrontam-se os exércitos do conde Fernão Peres de Trava e o dos barões portucalenses. Estes últimos quando venceram Fernão Peres pretendiam apenas obriga-lo a ceder o governo do condado portucalense ao príncipe herdeiro.
A intervenção dos barões portucalenses, liderada pelos senhores de Sousa e de Ribadouro, resultava de um longo percurso, ao longo do qual as linhagens de Entre Douro e Minho tinham solidificado o poder que exerciam na região. Pretendiam, como desde o tempo da condessa Mumadona Dias ocupar um lugar que não estivesse subordinado a ninguém, a não ser uma autoridade local em serviço dos seus interesses. O jovem herdeiro do condado servia exactamente a essa pretensão. Após a vitória Afonso Henriques tomou a autoridade com todo o vigor.
Afonso VII de Leão, ocupado com as vicissitudes da política leonesa, não atribui importância a esta mudança de poder no condado, e limita-se a aceitar o preito de fidelidade de D. Afonso Henriques em 1137. Porque isso contribuia para engrandecer o prestígio do imperador Afonso VII, a chancelaria leonesa não hesita em atribuir o título de rei ao príncipe portugues. Podia assim Afonso VII afirmar a sua condição de imperador, o qual tem reis por vassalos.
Em 1143 o rei de Portugal dirige-se ao Papa, numa carta, declarando que faz homenagem à Sé Apostólica como miles de São Pedro, obrigando-se a pagar o censo anual de quatro onças de ouro, sob a condição de o Papa defender a honra e a dignidade dele e da sua «terra». Declarou ainda que não reconhecia a autoridade de nenhum outro poder eclesiástico ou secular. Com esta carta D. Afonso Henriques oficializava a independência de Portugal Não se conhece nenhuma reacção do imperador Afonso VII até 1148. Quer desconhece-se a vassalagem à Santa Sé, quer não acreditasse nas suas consequências práticas, não parece ter-se incomodado com ela. Apenas quando D. Afonso Henriques, após a conquista de Lisboa, procede à restauração das sés de Lisboa, Viseu e Lamego, sagradas pelos arcebispo de Braga, o imperador se deu conta de que o acto tinha consequências graves. No entanto demasiado ocupado com a reconquista e com a evolução das suas relações com os reinos de Navarra e Aragão, não parece ter procurado recuperar a autoridade sobre Portugal.